As primeiras estruturas do Humano tem 3 bases – que vão ocorrendo ao longo da vida sujeitas a erros e acertos:
1- Integração (identidade, eu, si-mesmo, self, criatividade);
2- Personalização (mescla psicossomática, atividade unitária do corpo e do psiquismo);
3- Relação com a realidade (objetos subjetivos, objetivos e transicionais).
A criança começa sua caminhada na vida em um mundo indiscriminado, sem limites ou fronteiras, sem saber que há um dentro e um fora de si-mesma. Tudo o que acontece a ela é o mesmo que o que acontece ao ambiente e vice-versa.
Entendem essa ideia? Para dar uma noção do quanto isso nos acomete, basta pensar o quanto nos sentimos responsáveis quando vemos alguém em situação de miséria num semáforo, o desconforto que é pensar que estamos bem e aquecidos, como se fossemos culpados por aquilo que acontece aquela pessoa. Ou quando terminamos um relacionamento e a pessoa que levou o nosso pé na bunda (rss) passa se autodestruir. O quanto não nos sentimos responsáveis. Ou como diria o Pequeno Príncipe: “és responsável pela flor que cativas”. Frase que pega no âmago da questão: quando é que somos nós mesmos e quando é que é o outro?
Começamos assim numa indistinção entre o eu e o não-eu. Somente aos poucos que essa discriminação vai acontecendo – quando tudo vai bem, é claro. Às nunca se consegue.
A criança sente um desconforto (para nós, é fome), mas ela não sabe nada sobre isso. Apenas chora, faz um apela, mas não a alguém porque ela não sabe da existência de alguém que pode ou não estar ali. A criança quer algo, mas não sabe o quê. Nem onde nem como conseguir. Do outro lado, sem que a criança saiba, há uma mãe (ou cuidador) atenta, identificada com ela – nem sempre é assim (assistam ao filme Precisamos falar sobre Kevin). A mãe sabe se é fome ou cólica. E oferece o seio depois de uma série de movimentos de aconchego em que participam olhares, vozes, gracejos, o gesto de segurar de modo confortável a criança, etc. até que a criança vai se aninhando ali, tateando o seio até encontrar o bico para mamar. O líquido que resolve o desconforto, que veio de fora é vivido pela criança como se fosse tudo criação dela, da criança. Ela tem o sentimento de ter encontrado o objeto que precisava. Basta querer. Como no desenho Os Padrinhos Mágicos. Vejam que isso acompanha a vida de muitas crianças e adultos.
A sequencia de experiências satisfatórias vão dando a criança a noção de si-mesma e de objeto tanto quanto a de que o que lhe dado vem de fora, de alguém, de uma realidade nem sempre controlada por ela. Porque a medida que a criança vai crescendo a mãe vai confiando que a criança pode dar conta de por ex esperar pela comida. Não atende imediatamente entrada portanto da realidade compartilhada: por exemplo, a capacidade da criança esperar a chegada da mãe – que é o mesmo que adiar o amor – é feita com o desenvolvimento da mente, sede da inteligência, que vai lendo no ambiente os sinais da chegada da mãe: a porta que se abre, o som do fogão sendo acendido, da torneira lavando a chaleira para aquecer o leite, etc…vão dando à criança condição de esperar porque saber que vai chegar. . Isso nos melhores casos, razão pela qual não aconselho que se acredite que uma criança insistente com vocês na escola, incapaz de transigir sobre o que pede, seja caso de criança mimada. A mãe dizendo “já vai” e o bebê “pensando” sobre o que viu, sentiu ou escutou garantindo que a mãe (o amor, a comida…a mesma coisa), por isso os humanos sofrem tanto de amor quanto de comida.
O que permitiu o salto entre a criatividade (criar o mundo) e a realidade compartilhada? Na verdade, não é um salto, é um transito. Vivemos no intermediário do mundo de dentro e o mundo de fora, costurando ambos para sentir que vivemos num mundo que faz sentido. Aqui estamos todos tendo uma mesma experiência? Sim e não. Porque podemos compartilhar sem ter que pensar ou sentir igual. Colocamos em prática nosso jeito de ser quando podemos dizer ou sentir que gostamos ou não daquilo, mas, sobretudo, fazemos sentindo que somos nós que fazemos. Portanto, retomamos a experiência inicial de criar o mundo. ao mesmo tempo, nos submetemos ao mundo como ele é. Ou tentamos transformar o mundo, ao menos o nosso.
Toda nossa possibilidade de transitar está inscrita na possibilidade que tivemos de brincar. Quando a mãe se adapta para dar ao bebe a sensação de que ele criou o mundo, ela o fez de modo brincante: cantou, sorriu, acariciou, segurou, mesmo quando o bebe se mostrou agitado. Quando o bebe passou a brincar, sorrir, acenar, ela também fez isso. Construiu um campo intermediário que foi se ampliando nas brincadeiras com outras pessoas e outras crianças.
A ampliação deste campo de brincar foi se dando também aos poucos tendo como marca principal a entrada daquele objeto que é ao mesmo tempo interno e externo: aquele ursinho que a criança não larga nunca e sem o qual ela não dorme. Aquele paninho encardido que nem pode ser lavado! Aqueles objetos que a criança insiste em trazer para a escola e a gente nunca sabe ao certo se deve ou não permitir que a entrada. Estes objetos são a base da realidade compartilhada e da socialização futura. São estes objetos que depois se transformam em brincadeiras e jogos com outras crianças. No adulto, é o trabalho ou o estudo. As festas, o encontros para falar bobagens, compartilhar com outros numa comunidade.
Tão importante que se uma criança não consegue brinca, a tarefa é fazê-la brincar.
O brincar permite a continuidade do processo de encontrar a si-mesmo e ao mundo, tanto quanto aos objetos (sem os quais não há educação formal). Permite sentir que vive uma vivida que seja sua. Permite experimentar uma vida com sentido pessoal.